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Brasil estuda criar sistema próprio de geolocalização por satélite

© Bruno Peres/Agência Brasil
© Bruno Peres/Agência Brasil

O Brasil deu início a um estudo para avaliar a viabilidade de desenvolver um sistema nacional de geolocalização por satélite, uma iniciativa de elevada complexidade tecnológica e alto custo. O grupo técnico responsável por esse diagnóstico reúne representantes de diversos ministérios, da Aeronáutica, de agências federais e da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil.

O objetivo é analisar os impactos da atual dependência brasileira de sistemas internacionais de posicionamento, navegação e tempo – como o GPS, que é controlado pelos Estados Unidos. O grupo foi oficialmente instituído no início de julho, por meio da Resolução nº 33 do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro. O documento, assinado pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Marcos Antonio Amaro dos Santos, estabelece um prazo de 180 dias, contados a partir de 14 de julho, para a entrega de um relatório com análises e recomendações.

De acordo com Rodrigo Leonardi, diretor de Gestão de Portfólio da Agência Espacial Brasileira (AEB), o grupo ainda está em fase de organização e poderá contar com apoio de outras instituições que possam contribuir com os estudos. Segundo ele, a proposta é identificar os desafios, vantagens e desvantagens de desenvolver um sistema nacional de navegação por satélite.

Leonardi ressaltou que o Brasil sempre focou em outras áreas da exploração espacial, como o monitoramento ambiental por satélites. Agora, surge a discussão sobre a necessidade de investir em um sistema próprio de navegação, seja com cobertura nacional ou regional. Qualquer que seja o modelo escolhido, o investimento exigido será substancialmente maior do que o orçamento atual do programa espacial brasileiro, destacou o diretor.

Coincidência com tensões externas

A criação do grupo técnico ocorreu uma semana antes do anúncio feito pelo presidente dos EUA, Donald Trump, sobre a aplicação de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto. Também antecedeu debates nas redes sociais sobre uma eventual restrição do sinal do GPS ao Brasil em um cenário de conflito comercial.

Leonardi negou qualquer relação entre os acontecimentos e a criação do grupo. “Já discutíamos esse assunto há muito tempo. A formação do grupo foi uma coincidência”, explicou. Ele também afirmou que não houve qualquer sinal oficial por parte dos Estados Unidos de que o GPS seria restringido ao Brasil. Mesmo que ocorresse – hipótese que considera improvável e drástica – há alternativas viáveis ao GPS.

O que é GNSS?

Leonardi explicou que muitas pessoas confundem o GPS com o conceito mais amplo de GNSS (Global Navigation Satellite System, ou Sistema Global de Navegação por Satélite). O GPS é apenas o sistema americano, mas existem outros equivalentes com cobertura global, como o Glonass (Rússia), o Galileo (União Europeia) e o BeiDou (China). Além disso, países como Índia e Japão operam sistemas regionais próprios.

Na teoria, os EUA poderiam degradar ou restringir o sinal do GPS em certas regiões, mas essa ação teria consequências severas, como prejuízos a empresas americanas que operam no Brasil, impacto sobre países vizinhos e até riscos à segurança da aviação civil. “Seria uma medida extrema, com repercussões comerciais e diplomáticas”, avaliou Leonardi.

Tecnologia multiconstelação já é realidade

Geovany Araújo Borges, professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Laboratório de Automação e Robótica (Lara), concorda que, do ponto de vista técnico, os EUA poderiam limitar o sinal do GPS, mas considera essa hipótese improvável. Segundo ele, a maioria dos dispositivos atuais, como celulares, já é compatível com múltiplos sistemas de navegação – a chamada tecnologia multiconstelação.

“Mesmo se o sinal do GPS fosse cortado, os aparelhos continuariam funcionando normalmente com outros sistemas”, explicou Borges. Ele destacou, no entanto, que a dependência de tecnologias estrangeiras representa uma vulnerabilidade estratégica.

“O Brasil precisa fortalecer sua soberania tecnológica, especialmente em setores estratégicos como o aeroespacial. Isso traz benefícios também para áreas como a saúde, a indústria e o agronegócio”, disse o professor, destacando que o país possui mão de obra qualificada para esse tipo de projeto.

O desafio está no financiamento e na continuidade

Para Borges, o maior obstáculo não é a falta de especialistas, mas sim os recursos financeiros e a necessidade de garantir que esse projeto seja tratado como uma política de Estado, com continuidade ao longo dos anos. Ele alertou que o desenvolvimento de um sistema de geolocalização próprio exige, além de tempo, o fortalecimento da indústria nacional de microeletrônica e investimentos na educação de base.

“Mesmo que comecemos agora, levará anos até termos um sistema operacional. Além disso, enfrentaremos dificuldades para importar certos componentes, o que exigirá também desenvolvimento interno. Por isso, ainda que com atraso, a criação do grupo técnico é um passo importante e necessário para o país”, concluiu.

Fonte: Agência Brasil

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