ONU denuncia uso sistemático de tortura como estratégia na guerra entre Rússia e Ucrânia

A tortura de prisioneiros não é um fato isolado, mas parte da estratégia militar empregada na guerra entre Rússia e Ucrânia. Essa é a avaliação de Alice Jill Edwards, relatora especial da ONU sobre Tortura e Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em entrevista concedida à Agência Brasil ao completar três anos e meio do conflito iniciado em fevereiro de 2022.
Edwards, que já visitou a Ucrânia após a invasão russa, defende que as reparações às vítimas e sobreviventes devem ser incorporadas às negociações de paz entre os dois países.
Testemunhos e métodos relatados
A especialista, ligada ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), reuniu relatos de ex-prisioneiros, familiares e advogados. Entre as denúncias, surgem métodos brutais, como choques elétricos em orelhas e genitais, espancamentos, simulações de execução, afogamento, abusos verbais, posições de estresse e ameaças de estupro ou morte.
Os depoimentos também descrevem “cerimônias de humilhação”, fome prolongada, celas superlotadas, violência sexual e isolamento de familiares. Um dos detentos relatou ter perdido 40 quilos durante meses de encarceramento. Em alguns casos, a violência teria resultado em mortes.
Estratégia organizada
Segundo Edwards, a amplitude, a organização e os objetivos relatados demonstram que a tortura é utilizada de forma sistemática pela Rússia, visando obter informações, intimidar populações ocupadas e punir apoiadores da Ucrânia.
Ela ressalta, contudo, que também existem denúncias de maus-tratos cometidos por forças ucranianas contra soldados russos, que igualmente devem ser investigados.
Acesso desigual
A relatora contou que teve plena liberdade de acesso na Ucrânia, incluindo visitas a campos de prisioneiros em Lviv. Já a Rússia se recusou a autorizar inspeções em áreas ocupadas ou em seu próprio território, o que, segundo Edwards, limita a apuração de violações.
Crimes de guerra e direito internacional
De acordo com as Convenções de Genebra de 1949, prisioneiros de guerra devem receber tratamento humano em todas as circunstâncias. Edwards reforça que a tortura é absolutamente proibida, sem exceções ou prescrição, e configura crime de guerra. Quando praticada de forma sistemática contra civis, pode caracterizar crime contra a humanidade.
Justiça e paz duradoura
Para Edwards, a paz não poderá ser alcançada apenas com garantias territoriais e de segurança. Ela defende que investigações e reparações sejam parte de qualquer acordo entre Moscou e Kiev.
“As vítimas e sobreviventes são resilientes e continuarão buscando justiça mesmo após o fim das hostilidades”, afirmou.
Impasse diplomático
Enquanto isso, o conflito segue sem perspectiva de encerramento. Trocas de prisioneiros foram uma das poucas concessões mútuas desde 2022, mas questões como o controle dos territórios ocupados continuam travando as negociações.
O cenário é agravado pela disputa geopolítica: a Rússia insiste em manter províncias anexadas, enquanto a Ucrânia exige cessar-fogo e rejeita ceder territórios. O envolvimento de potências ocidentais, como Estados Unidos e União Europeia, acrescenta complexidade às tentativas de acordo.
Fonta: Agência Brasil