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“As instituições frearam os excessos do governo”, diz ex-governador Paulo Hartung em entrevista

Paulo Hartung é experiente com eleições, disputou oito e venceu todas. Foi deputado estadual, deputado federal, senador, prefeito de Vitória e governador do Espírito Santo, cargo que deixou em 2018. Desde então, está afastado da vida pública, mas não da articulação política, segundo ele. Agora, em ano de eleição municipal, Hartung diz ter tido experiência suficiente com pleito para afirmar que 2020 não terá ligações com as disputas passadas. E que o resultado das municipais deste ano também não serão determinantes para as eleições presidenciais de 2022.

Cada eleição é uma eleição. Se você me pergunta: vai ter o vento da renovação? Eu acho que vai. Em que intensidade? Ninguém sabe. Vai ter o vento da renovação porque tem isso no mundo inteiro.
Durante a entrevista publicada pelo Portal O Globo, Hartung disse que vê uma avenida aberta para os que não se encaixam na polarização entre o ex-presidente Lula e Jair Bolsonaro e critica o quadro partidário do país, que segundo ele, “beira o absurdo”.
Passado o primeiro ano de governo Bolsonaro, que balanço o senhor faz do cenário político?
O cenário político foi esfarelando, derretendo ao longo dos anos. Ao escrever a Constituição, a preocupação com a representação de todos os segmentos da sociedade era muito grande. A gente estava tirando o país do arbítrio, de uma ditadura militar. Mas isso gerou um quadro partidário que beira o absurdo. Espero que essa tímida cláusula de barreira e o fim das coligações no proporcional induzam um certo início de organização política no país. Mas imaginar que o país tenha hoje trinta e tantos partidos e que não pare de criar partidos… A gente não tem estrutura partidária, tem interesses que não são necessariamente legítimos. Você tem um conjunto de interesses presidindo a existência de cartórios de registros de candidaturas. É nisso que você transformou a estrutura partidária brasileira, e não em uma estrutura que represente pensamentos e projetos para a sociedade. O sentido de um partido seria esse. Então você tem um quadro partidário muito fragmentado, numa sociedade muito fragmentada. Isso gera instabilidade e percalços.
Como o senhor avalia a polarização Bolsonaro x Lula que analistas apontam existir hoje?
A sociedade democrática se faz com confrontos de ideias. Não vejo isso como um elemento negativo. Tem muito espaço aberto na política. O que não está ocupado é muito maior do que o que está ocupado.
Vê chances de alguém romper essa polarização? Quem poderia exercer esse papel?
Tem uma avenida aí pela frente. A hora agora não é de disputar o poder no país, mas sim de empurrar o país para frente. Precisamos modernizar o país, que está muito atrasado. As pessoas querem vir conversar de 2022. Este ano nós temos eleições municipais e ninguém fala dela. Ela é ignorada. Daqui até 2022 é uma eternidade. Neste momento a gente precisa aproveitar a tranquilidade que estamos tendo no país e evoluir com as reformas. As reformas não são de direita, esquerda ou centro, são modernizadoras. Quem chegar no governo lá na frente, se elas não forem feitas, terá que fazê-las. Vamos ter que trabalhar essa racionalidade.
Qual o papel que o novo partido de Bolsonaro, se realmente sair do papel, terá no cenário político brasileiro?
Os partidos se proliferaram e vivem hoje atrás de fundo partidário, tempo de TV e você não vê partidos formando lideranças. Ultimamente você os vê brigando com os movimentos cívicos, que na verdade ocuparam um espaço vazio na sociedade brasileira, porque os partidos não estavam cumprindo essa função. A questão programática foi colocada de lado. Se você ler um programa de partido atrás do outro, você vai ver que a diferença é muito pequena. Não é mais um partido que se está criando que vai resolver isso. O que nós precisamos é de estrutura partidária real. Precisávamos de sete, dez partidos para quem a gente olhe e saiba o que eles propõem do ponto de vista do desenvolvimento do país. Como a agenda brasileira ficou muito congestionada e não fizemos as reformas no tempo que deveríamos fazer, somos obrigados a fazer muita coisa simultaneamente. E como não dá para fazer isso, nós precisamos elencar prioridades, como fizemos com a reforma da Previdência. Mas ainda estamos perto da beirada do despenhadeiro. É só olhar as contas públicas.
O que acha de candidaturas avulsas?
Eu não acho que seja o momento para implementá-las. O que precisamos hoje é de um profundo debate sobre o papel dos partidos políticos, as instituições da democracia. Como atualizamos as instituições para que o cidadão se sinta parte representada nesse processo?
Como o senhor avalia a atuação da oposição durante esse período?
Acho que cumpriu o seu papel. As instituições colocaram limites e freios importantes aos excessos do governo. Quando o governo tentou interferir em assuntos de liberdade da imprensa, o Congresso botou um freio. Acho que as coisas estão funcionando a contento. A agenda do governo na área social é muito frágil e a oposição tem mostrado isso. Eu torço para que ninguém vá à fadiga no meio desse jogo (risos), porque aí vai prejudicar as instituições democráticas. Mas eu, como otimista, acho que essa turma está preparada para jogar o primeiro tempo, segundo tempo, prorrogação, e aí vai.
Lideranças do PT ao DEM lançaram o Direitos Já, mas o movimento parece estar longe de mobilizar a oposição. Falta algo à oposição?
Não, acho que cumpriu o seu papel. Acho que, com todos os tropeços aqui e acolá, atravessamos 2019 com as instituições funcionando no nosso país. O Brasil está mostrando que não é uma Venezuela, é diferenciado.
Partidos do Centrão tentaram fazer uma espécie de reposicionamento e se descolar da pecha de fisiológico, por meio de um vídeo publicitário. O que achou?
É uma estratégia muito do Parlamento. Acho que é legítimo cada um apresentar a sua maneira de pensar o país, as suas propostas. Nós temos algumas tarefas geracionais, sendo uma delas melhorar a educação básica no país, e outra que é formar novas lideranças. De um tempo para cá, o Brasil viveu um vazio de lideranças muito grande. Uma terceira tarefa é subir o sarrafo do debate político no Brasil. Tudo que puder contribuir para elevar o nível do debate, é disso que precisamos. Temos ainda um debate rasteiro, ralo, superficial.
O senhor acredita que as eleições municipais deste ano vão repetir o script das últimas duas eleições, nas quais houve uma demanda do eleitorado por candidatos vindos de fora da política, ou com um discurso mais à direita?
Disputei oito eleições e nunca disputei uma eleição igual à outra. A eleição de 2018 teve uma característica muito própria. No planeta, os desafios da democracia representativa, colocada em cheque pelas novas tecnologias. No país, recessão econômica, desemprego, queda de renda e investigações mostrando corrupção de uma maneira assustadora. E era o poder nacional em disputa. Agora é o local. Pode ser que em algum ponto do segundo turno em uma eleição de uma cidade grande haja algum viés que nacionalize, mas o que vai ser discutido é a manutenção das cidades. Se você me pergunta: vai ter o vento da renovação? Eu acho que vai. Em que intensidade? Ninguém sabe. Vai ter o vento da renovação porque tem isso no mundo inteiro. Depois que passar a eleição vai ter um monte de engenheiro de obra pronta, com belas análises, mas hoje não tem como saber. Essas tendências a gente descobre a posteriori. Alguma coisa nova vai ser acolhida pela população? Acho que vai. Mas nem toda novidade vai ser acolhida. A população vai fazer uma meia avaliação do voto de 2018 e dar uma equilibrada agora? Tem análise falando isso, mas eu não sei.
Há algum indício de que candidatos moderados terão maior poder de atração nas próximas eleições?
Não tem. É um tipo de coisa que a gente vai ver com debate eleitoral e, depois, com o resultado. O que tem é muito claro. Você conversa e olha as pesquisas de opinião e você vê que tem uma área desocupada na política brasileira, que é uma avenida. Ela será ocupada? Acho que sim. Quando você soma o que está definido isso é muito pequeno perante os que estão procurando outro caminho. Eu torço para que tenham caminhos e mais caminhos sendo discutidos para o futuro do Brasil.
Se as eleições de 2020 não abrirem espaço para candidatos mais ao centro, como fica o cenário para as presidenciais de 2022?
Há muito tempo eu aprendi que uma eleição não leva à outra. Cada eleição é uma eleição. Agora vão discutir os problemas locais. Lá na frente, vão discutir os problemas nacionais. Será outra eleição. Se fizermos um exercício racional, qual foi a atuação do atual presidente nas eleições municipais que antecederam a sua eleição de presidente? Assim a gente consegue constatar que uma eleição não leva à outra. (Fonte: Assessoria de Imprensa)
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